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19 de Abril de 2024

Venda e doação de imóveis de pais para filhos

Karina Pinheiro de Castro - Professora do curso de direito do Centro Universitário Una, advogada do escritório Mendo de Souza Advogados Associados Há certas particularidades e restrições legais sobre a venda e doação de imóveis de pais para filhos que merecem ser destacadas e discutidas. No tocante à venda de bens imóveis, os ascendentes, aí incluídos não apenas os pais, mas também os avós, bisavós e assim por diante, sofrem limitações impostas pela lei quando os compradores forem seus próprios descendentes filhos, netos, bisnetos, etc., ou seja, independentemente do grau de parentesco na linha reta.

Não se trata de incapacidade, mas falta de legitimação, pois a restrição é imposta ainda que as partes contratantes sejam maiores e capazes. O objetivo do legislador foi o de proteger os demais herdeiros, evitando-se alienações a preço vil, típicas doações disfarçadas de compra e venda, favorecendo-se, assim, um herdeiro em detrimento dos demais.

De fato, doações inoficiosas acarretam uma diminuição do patrimônio do vendedor e, consequentemente, uma minoração da parte na herança a que os demais herdeiros teriam direito quando da abertura da sucessão. Isso porque, ao contrário da doação, na compra e venda o comprador descendente não tem o dever de levar à colação, instituto civil adiante mencionado, os bens adquiridos durante a vida do vendedor.

A teor do que dispõe o artigo 496 do Código Civil, a restrição consiste na impossibilidade de o ascendente alienar seus bens a um descendente, sem a anuência expressa dos demais, preterindo-os em seu direito hereditário, restrição esta já prevista no Código Civil de 1916. Pela redação do referido artigo, foi incluído o cônjuge do alienante no rol daqueles que necessitam anuir expressamente com a venda para que seja perfeita, devido ao fato de ele ter sido erigido à condição de herdeiro em concorrência com os descendentes, conforme o artigo 1.829 do diploma civil.

Entretanto, não é exigido o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória, pois, nesse caso, não há direito de sucessão entre cônjuges. Frise-se que não se trata do regime de separação convencional de bens, mas obrigatória. No convencional é mantida a necessidade da anuência do cônjuge do vendedor, para que esse possa dispor de seus bens.

Por essa razão, a compra e venda realizadas entre ascendente e descendente dependem de prévia e expressa anuência dos demais descendentes e, conforme o caso, do cônjuge, a fim de evitar uma fraude por meio de uma negociação aparentemente justa e onerosa. Assim, o dispositivo legal impede a doação inoficiosa, ou seja, a compra e venda simulada.

Dessa forma, se um pai, por exemplo, tem quatro filhos e pretende vender um apartamento a um deles, os outros três terão que consentir expressamente com a compra e venda. Sem a anuência dos demais descendentes e do cônjuge do vendedor, a alienação poderá ter sua eficácia subordinada à anulabilidade do ato, por meio da ação anulatória, cujo prazo decadencial é de dois anos contados da conclusão do contrato, conforme estabelece o artigo 179 do Código Civil.

A legitimidade para a propositura da referida ação é tão somente dos interessados, quais sejam, descendentes que não prestaram anuência e, eventualmente, o cônjuge do alienante. De fato, o interesse prejudicado é meramente privado e tão somente da família. O Ministério Público e o juiz não podem atuar de ofício. Por meio dessa ação, os interessados podem anular o negócio e evitar, assim, que o benefício seja concedido a um certo herdeiro ao lhe ser vendido um bem com facilidades financeiras.

A aplicação do disposto no artigo 496 do CC/02 encontra respaldo quando há efetivo prejuízo aos demais herdeiros e descendentes do alienante. Isso porque, se o preço do negócio for justo e compatível com o valor de mercado, não há que se falar em venda fraudulenta e, portanto, o negócio será válido. Tanto que qualquer pessoa que tenha herdeiros pode alienar seus bens a terceiros.

Assim, uma venda feita por ascendente a descendente sem o consentimento dos demais não será anulada mediante a prova de que não ocorreu simulação, desde que o alienante, de fato, recebeu preço justo pela venda do bem.

Cumpre ressaltar também que a limitação imposta pelo supracitado dispositivo legal alcança a venda feita por ascendente a descendente indiretamente por meio do intermédio de um terceiro. Nesse caso, tem-se uma simulação ainda maior, pois resta clara a tentativa de não só beneficiar um herdeiro em detrimento dos demais, como também a tentativa de burlar o imperativo legal.

Isso significa que o ascendente vende um bem a um terceiro na qualidade de pessoa interposta, que, por sua vez, o revende a um dos descendentes daquele, devendo tal negócio jurídico ser anulável, eis que também viola a lei e a fraude torna-se ainda mais evidente.

Quanto à doação, não se exige a anuência prévia e expressa dos demais herdeiros. Nesse caso, o controle da liberalidade ocorrerá depois do falecimento do doador, por meio da colação. Trata-se de um instituto civil por meio do qual o legislador obriga o descendente beneficiado a informar nos autos do inventário o que em vida recebeu como uma forma de igualar os valores a que todos os demais descendentes têm direito.

De fato, conforme o artigo 2.002 do diploma civil, o descendente que receber, a título de doação, um bem pertencente ao patrimônio de seu ascendente, depois do falecimento deste, será obrigado a colacionar o que em vida recebeu, de modo a igualar a legítima dos demais herdeiros. Desse modo, o que recebeu em vida será descontado a fim de recompor o acervo hereditário. Assim, a eventual intenção do ascendente alienante de beneficiar determinado herdeiro restaria inócua.

Contudo, a própria lei civil prevê uma forma de o ascendente beneficiar um ou alguns herdeiros em detrimento dos demais, doando-lhes bens, mas desde que tais bens não excedam a parte disponível que corresponde à metade do patrimônio do doador e desde que neste ato de liberalidade conste expressamente a dispensa da colação.

Conclui-se, portanto, que há uma restrição legal imposta ao ascendente que aliena um bem a um determinado herdeiro em detrimento dos demais, havendo a exigência de anuência expressa para que o ato seja válido, evitando-se, assim, fraudes contra os herdeiros preteridos. Conclui-se, ainda, que em casos de doação é dispensada tal obrigação, eis que se aplica nesse caso a colação como forma de controle da liberalidade e proteção do acervo hereditário. (Estado de Minas)

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20 Comentários

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Esclarecedor e baseado nos artigos da lei, não deixa dúvida sobre a questão. continuar lendo

Estou tentando comprar um imóvel residencial pelo programa minha casa minha vida do qual não se pode ter imóvel escriturado em meu nome. Mais por volta de 2007 meus pais se separaram e realizou a doação da casa onde minha mãe mora, transferindo para meu nome e do meu irmão com usufruto dos meus pais. Hoje moro de aluguel e não consigo comprar um imóvel pelo programa minha casa minha vida, já fiquei sabendo que tem como realizar um processo com a Caixa que se chama 'uso nulo"comprovando que não usufruo do bem tendo assim o direito de enquadrar no programa.
Alguém tem conhecimento desse 'uso nulo" e sabe me orientar no que fazer? continuar lendo

Há, entretanto, um equívoco no artigo....

O texto diz que: "o prazo decadencial é de DOIS ANOS contados da conclusão do contrato, conforme estabelece o artigo 179 do Código Civil."

No entanto, o Art 179 do CC estabelece prazo de 2 anos "Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, SEM ESTABELECER PRAZO PRAZO PARA PLEITEAR A ANULAÇÃO".

Ocorre que, no caso em tela, aplica-se a súmula 494 do STF, que diz que:"A ação para anular a venda de ascendente para descendente, sem consentimento dos demais, prescreve em VINTE ANOS, contados da data do ato".

Logo, uma vez realizado o ato de transmissão de ascendente para descendente, sem consentimento dos demais herdeiros necessários, terão esses herdeiros o prazo não inferior a 20 ANOS para pleitear a anulação. continuar lendo

Não conheço a discussão que levou o STF a editar a súmula 494, mas, no meu entender, como não se trata de súmula vinculante, é passível de não ser aplicada no caso em concreto, por isso, entendo que o que vale é o que esta expresso em lei, e fazendo uma leitura dos dispositivos, 496 e 179 do CC, em uma interpretação lógica, precisamos concluir que o prazo prescricional seria de 2 anos e não de vinte anos como pretende a sumula 494.

Penso que as súmulas devem ser aplicadas com parcimônia, pois entendimentos dos tribunais são passíveis de alteração, e não podemos considerar como algo absoluto e intangível.

Agora, no direito, tudo vai depender de que lado da mesa vc esta é claro! continuar lendo

Quando a alienação ocorre com anuência dos demais herdeiros não de forma expressa, mas de forma tácita, ocorreria nesse caso uma anulabilidade do negócio pactuado entre o ascendente e o seu descendente? Muito bom e objetivo continuar lendo