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25 de Abril de 2024
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    Em Minas, cidades pequenas sofrem com o avanço do crack

    Nem a pequena Serra da Saudade, no Centro-Oeste do Estado, município menos populoso de Minas, está livre do crack. Segundo a Polícia Militar, a droga não é vendida na cidade de pouco mais de 800 habitantes, mas usuários vão comprá-la em municípios vizinhos. É o caso de Dores do Indaiá, de 15 mil habitantes. Traficantes da cidade usam adolescentes para vender a droga. O centro-socioeducativo mais próximo fica em Sete Lagoas, na região Central, a 210 quilômetros. Com isso, os menores apreendidos são liberados.

    Na avaliação do sargento José Mardoni Fiúza Silva, a impunidade é o grande atrativo dos traficantes, que contratam meninos e meninas, geralmente com cerca de 15 anos, de famílias carentes e desestruturadas, para vender pedras nos becos da cidade. Eles ficam nas ruas, não frequentam escola e são viciados. Vendem para ganhar a droga.

    Neste ano, 55 adolescentes foram apreendidos em Dores do Indaiá por envolvimento com tráfico de drogas. Na cadeia pública, dos cerca de 49 detentos, pelo menos 70% foram presos por vender drogas, principalmente crack. A agente social Cristina Camaro Araújo conta que os jovens são aliciados cada vez mais cedo. Geralmente, são adolescentes muito carentes. Estamos tentando identificar esses menores para oferecer tratamento para eles e para as famílias, com atendimento psicológico e acompanhamento. Temos também o cntro psicossocial, que atende cerca de 40 crianças. Eles ficam no espaço no período em que não estão na escola e participam de oficinas de arte, informática e muitas outras, explica. Ela lembra que as ruas de Dores do Indaiá já não são seguras como há alguns anos, devido ao crack. Temos de três a quatro furtos por dia na cidade por dia, que acreditamos estar relacionados ao crack, diz.

    Com cerca de 220 mil habitantes e cidade-polo do Centro-Oeste de Minas, Divinópolis concentra os maiores problemas com o crack na região. São cerca de 12 centros de tratamentos para dependentes. Em julho, operação envolvendo Ministério Público e Prefeitura, em parceria com a PM, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros, acabou com o principal local de concentração de viciados e traficantes na cidade. O carrapateiro, como é conhecido, era frequentado por cerca de 70 pessoas. Durante a ação, 42 usuários, entre eles três adolescentes e duas mulheres grávidas, foram levadas para uma quadra esportiva, no Bairro Niterói, onde receberam alimentação, banho e roupas novas. De lá, foram encaminhados para tratamento. Apenas sete decidiram aproveitar a oportunidade para largar a droga.

    Com o carrapateiro fechado, os usuários escolheram outro lugar. Agora, quem vai ao estádio Waldemar Teixeira de Faria, o Farião, vê muito mais que os treinos do Guarani. A nova boca de fumo fica em frente ao portão que dá acesso ao campo. Segundo o secretário-adjunto de Políticas Antidrogas, Adriano Siqueira, o município tem cerca de 20 vagas em centros de tratamento para viciados. Todas são ocupadas rapidamente e, por isso, a Prefeitura estuda investir em mais clínicas.

    Segundo a PM, neste ano 422 pessoas foram detidas por vender ou consumir crack. Desse número, 106 tinham menos de 18 anos. Siqueira acredita que o crack está relacionado à violência e a mendicância. Essas pessoas passam a morar nas ruas, mendigando ou cometendo furtos. É um problema que o Brasil inteiro enfrenta. Temos trabalhado com campanhas de conscientização e acompanhamento. Acredito que o estado precisa se envolver mais e apoiar os municípios, financeiramente principalmente, reivindica.

    Libertação e recomeço

    Há dois anos, Márcio de Freitas Moreira, de 35 anos, trabalha como monitor na Casa Dia. A clínica de recuperação tem significado libertador para ele, que viu na experiência dos colegas e nas histórias de superação um caminho para retornar à sociedade limpa. Aos 15 anos ele já havia experimentado álcool e maconha. Cinco anos depois veio o crack. A partir daí, as lembranças de Moreira se resumem a sofrimento, perdas e tentativas frustradas de retomar a rotina, longe do vício: Eu era infeliz, comigo, com minha vida. Via na droga uma forma de fugir de todos os problemas.

    Depois de perder vários empregos, ver os amigos se afastarem e a família desesperada, ele decidiu que era hora de um recomeço e procurou a Casa Dia. Agora, em vez de desespero, Moreira diz estar feliz, não apenas por dar a volta por cima, mas pela oportunidade de ajudar outras pessoas. Foi mais uma questão de sobrevivência. Eu iria morrer se continuasse, afirma.

    Há seis meses Paulo Alberto Machado Santos, de 27 anos, segue os passos de Moreira, a fim de se livrar do crack. Ele experimentou maconha aos 12 e aos 17 já conhecia a pedra, chegou a ficar sem emprego e perder a esposa por causa do vício. Comecei como todos. Curiosidade, amigos e festas. Logo virou compulsão. E eu comecei a faltar ao trabalho, não conseguia chegar no horário determinado e acabei ficando desempregado. Todos ao meu redor sofriam, explica.

    Emocionado, ele conta que a filha de 7 anos, que nasceu com problemas físicos e mentais, começou a falar e a andar depois que ele iniciou o tratamento. Isso fez com que Santos percebesse o quanto seu vício estava influenciando de maneira negativa a vida das pessoas à sua volta.

    O coordenador da Casa Dia e presidente do Comitê Municipal Antidrogas, Rui Faria Campos, diz que o perfil do usuário mudou depois do crack. Hoje, quase todos os internos precisam de tratamento psiquiátrico, justamente por causa dos danos que o crack causa. Antigamente, casos assim eram raros, lembra. Campos iniciou em julho a campanha Viva sem crack. Funcionários da casa vão a escolas públicas da cidade e fazem palestras para adolescentes.

    Palavra de especialista

    Almir Tavares, professor de psiquiatria da UFMG

    Poder de destruição

    Essa droga merece atenção especial pelo seu poder de destruição. A concentração dela no sangue se faz muito rápido, o que vicia o usuário nos primeiros usos. O crack tem um impacto grande social e falta estrutura para receber este dependente nas redes de atendimento. O sistema é muito falho, há poucos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e qualidade para lá de baixa. Muitos sequer têm médicos e psiquiatras, condições mínimas de atendimento. A nível público, a situação é muito pobre e não seria difícil fazer o contrário. Faltam políticas públicas em torno disso, mais programas de prevenção e melhor atendimento aos dependentes. As famílias também precisam estar mais atentas e ter mais responsabilidades neste assunto.

    Pesquisa mostra que consumo de crack começa a substituir o de bebidas alcoólicas

    Dentre os 4,4 mil municípios pesquisados, 89,4% indicaram que enfrentam problemas com a circulação de drogas em seu território e 93,9% com o consumo. O estudo foi feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM).

    A facilidade de acesso e o baixo custo do crack estão fazendo com que a droga se alastre pelo país. Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) revela que o crack está substituindo o álcool nos municípios de pequeno porte e áreas rurais. Nos grandes centros, uma pedra de crack custa menos de R$ 5.

    Dentre os 4,4 mil municípios pesquisados, 89,4% indicaram que enfrentam problemas com a circulação de drogas em seu território e 93,9% com o consumo. O uso de crack é algo comum em 90,7% dos municípios. Verificamos que o uso de crack se alastrou por todas as camadas da sociedade, a droga que, em princípio, era consumida por pessoas de baixa renda, disseminou-se por todas as classes sociais, aponta a pesquisa.

    O custo efetivo das ações de combate ao crack e outras drogas nos municípios chega a mais de R$ 2,5 milhões. De acordo com o CNM, faltam profissionais capacitados e verbas destinadas para a manutenção das equipes e dos centros de atenção que deveriam estar disponíveis aos usuários.

    O relatório mostra que 63,7% dos municípios enfrentam problemas na área da saúde devido à circulação da droga. A fragilidade da rede de atenção básica aos usuários, a falta de leitos para a internação, o espaço físico inadequado, a carência na disponibilidade de remédios e a ausência de profissionais especializados na área da dependência química são os principais entraves apontados pelos gestores municipais.

    Em relação à segurança pública, os principais problemas estão relacionados ao aumento de furtos, roubos, violência, assassinatos e vandalismo. Existem ainda apontamentos em relação à falta de policiamento nas áreas que apresentam maior vulnerabilidade.

    Outra questão revelada pela pesquisa é a fragilidade da rede de Proteção Social Especial e do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas) que tem como objetivo trabalhar as demandas dos usuários de drogas. Esses serviços são deficitários em 44,6% dos municípios.

    De acordo com a pesquisa, um dos grandes problemas é a falta de controle das fronteiras do país. O efetivo policial é pequeno, mal remunerado e pouco treinado para enfrentar a dinâmica do tráfico de drogas.

    Outro fator relevante, segundo o CNM, é o papel que as indústrias produtoras de insumos utilizados para o preparo do crack desempenham. A grande questão é a fiscalização da venda desses produtos, que atualmente é feita de maneira insuficiente.

    A primeira pesquisa da CNM, divulgada em dezembro do ano passado, mostrou que 98% dos municípios pesquisados confirmaram a presença do crack em sua região. Em abril, a confederação lançou o portal Observatório do Crack para acompanhar a situação dos municípios, com informações sobre o consumo, os investimentos e os resultados das ações de combate à droga. (Estado de Minas)

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